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O futebol é especial, atrativo e apaixonante porque não tem fórmulas e metodologias infalíveis, capazes de garantir vitórias de com antecedência.
No futebol, ganha-se (e perde-se) devido à tática, a estratégia a técnica, mas
também devido a questões mentais e anímicas, aleatórias ou, simplesmente,
porque sim. É isso que faz dele imprevisível e que torna possível ter sucesso
de várias maneiras, a jogar e a pensar de diversas formas. E, no entanto, o
futebol tem atrelado um conservadorismo que, exatamente pelo que se menciona
atrás, não pode ter racionalidade nem lógica.
Idéias ditas e repetidas ao longo dos tempos, consolidaram-se
como “verdades” e mantêm-se como explicações para os resultados e para as
decisões tomadas. Esta realidade já foi mais evidente, é certo, mas ainda está
bem presente, com a repetição, ás vezes exaustiva, das tais “verdades” que, por
assim serem vistas, condicionam, em grande medida, tudo á volta. O que se diz,
repete e ouve tem influência significativa no que se pensa e, consequentemente,
no que se faz. E esse fato é bastante desvalorizado, tendo em conta o impacto
que pode ter.
Gandhi: “Cuide os
seus pensamentos, porque se transformarão em suas palavras. Cuide as
suas palavras, porque se transformarão em seus atos. Cuide os
seus atos, porque se transformarão em seus hábitos. Cuide os seus hábitos,
porque se transformarão em seu destino.”
O mundo das pessoas que andam no futebol, dos clubes, das equipes
e dos projetos dependem, em primeira instância, da linguagem que fazem parte
deles, das palavras e das frases que, de forma consciente ou não-consciente,
vão orientar e determinar pensamentos, decisões e comportamentos. Remetendo-nos
às tais “verdades”, dificilmente pensaremos e agiremos de maneira diferente; é
quando paramos para pensar sobre elas, quando duvidamos e as contestamos que se
abrem oportunidades que a linguagem não deixava discernir, abrindo, desse modo,
as portas às visões e as idéias.
Não é preciso andar muito atento para conhecer as “verdades” do
futebol e como elas tornaram-se praticamente absolutas. Não faltam exemplos,
como estes:
“O jogo é dos jogadores” -> São os
jogadores que jogam, mas o que eles jogam e como jogam depende de uma série de
aspectos e de pessoas que determinam, decisivamente, o que vai ser o jogo.
Assim, os jogadores jogam, sim, mas o jogo não é nem pode ser só deles.
“Os jogos ganham-se no campo”
-> O que se passa nos 90 minutos é consequência de horas e
horas de treino, análise, comportamentos, cuidados, estilos de vida, relações extra
campo. Os jogos ganham-se, ou começam a ganhar-se, fora do campo.
“Os bons jogadores não precisam
de adaptação” -> A falta de tempo é um dos problemas do
futebol atual e não interfere apenas com o trabalho dos treinadores. Hoje,
contrata-se jogadores e espera-se rendimento imediato, algo sustentando em
falácias como “o futebol é igual em todo lugar”. Há que chegar e jogar bem
imediatamente, sob pena de se ser colocado na prateleira, encostado e, por fim,
dispensado. O futebol até pode ser igual em todo a parte (se resumirmos o
futebol a ser um jogo de 11 contra 11 com uma bola), mas a vida, a sociedade,
os hábitos, as pessoas, os clubes, os treinadores, os treinos, as idéias de
jogo, não.
“As explicações que explicam
melhor do que eu.
“O próximo jogo é o mais
importante” -> Se esportivamente esta idéia pode ser
aceitável, a um nível mais profundo ela acarreta problemas importantes, tanto
dentro como fora do campo. É por se pensar assim, por se olhar apenas para o
agora sem ter em conta o passado e sem pensar o futuro que se tomam decisões
precipitadas.
“Em equipe que ganha não se
mexe” -> É recorrente pensar que quando se ganha está tudo bem. Que
não são necessárias mudanças e melhorias. Quando se ganha, há muito menos
predisposição e abertura para aceitar que se errou e falhou, porque o
resultado, supostamente, diz o contrário, mas os erros e as falhas existem. Às
vezes, é preciso mudar para continuar a ganhar.
Gandhi e Wittgenstein falaram da vida e da filosofia, mas também estavam a falar de futebol, ou não fosse este uma forma de vida. Tal como a vida e a filosofia, também o futebol não tem verdades absolutas, logo exige reflexão e dúvida constantes. A discussão é aberta, os problemas nunca têm uma só resposta, mas várias e diferentes soluções possíveis, e a linguagem se apresenta como fator essencial para tornar (a discussão) produtiva e para resolver os problemas da melhor maneira. O que se diz e repete torna-se os pensamentos e o que se pensa será dito, repetido e incorporado, numa bola de neve que tem como fim influenciar ações, comportamentos, decisões e destinos.
“Verdades” no
futebol? Se existem é para serem contrariadas.