Publicado em: 00/00/0000
É uma pergunta interessante, e talvez nunca foi feita tanto como agora: sempre que um clube procura um treinador, levanta-se a questão do perfil. Que perfil procura ou qual o perfil que mais se adapta ao projeto.
O problema é, que esse
perfil, sem dúvida importante para definir alvos e decidir escolhas,
normalmente é traçado de forma incompleta, sem profundidade e com pouco
critério.
Um treinador já não é (alguma vez foi?) a idéia de jogo que tem, os
treinos que dá ou o tipo de jogador que prefere e aposta, por isso resumir o
perfil de alguém a, por exemplo, “o clube X quer um treinador com um estilo de
jogo positivo” ou “o clube Y procura um treinador que aposte em jovens” é
tremendamente incompleto. Mais do que isso, é não analisar como deve ser e
descuidar características importantes que tornam um treinador mais ou menos
competente, mais ou menos confiável.
Imaginemos um clube que está nas competições sulamericanas. Numa semana
cheia, o treinador desse clube fala quatro vezes com os jornalistas. Ou seja, em
quatro dias da semana é a voz do clube e essas intervenções são mais do que uma
simples troca de perguntas e respostas; é o clube que está ali representado,
pelo que tudo o que o treinador diz é associado ao clube, é o clube a
falar, é uma declaração de intenções coletivas, é toda uma imagem que passa de
dentro para fora. Deve isto ser negligenciado quando o tal perfil é construído? Durante
uma temporada, não são os jogadores, nem os dirigentes que falam mais. É o
treinador.
O treinador é, portanto, mais do que o responsável por treinar equipes e
jogadores. É a cara de um clube, de uma equipe, até de uma idéia e de uma forma
de pensar. Mas o treinador é ainda mais do que isso. É um líder, por isso a sua
capacidade de liderança não pode ser ignorada. É um gestor, de modo que a
maneira como gere e se relaciona é importante. É uma influência em todos os que
o rodeiam e um exemplo: tudo o que ele faz, mostra ou diz tem sempre
consequências, positivas ou negativas.
E não é só isso. O treinador não lida só com os jogadores. Lida com
outros treinadores (a equipe técnica), com dirigentes, com equipes médicas, com
funcionários de todo o tipo e, de maneira consciente ou não consciente, tem
influência em todos eles. Os treinadores também lideram, lidam com a
vitória e a derrota, influenciam, comunicam, dão a cara. E os clubes devem ter
tudo isto em conta quando decidem pela pessoa que contratam para o cargo.
O Liverpool é um dos exemplos mais impressionantes de um clube que
percebeu que o perfil do próximo treinador tem que ter qualidades que
interfiram positivamente fora do campo e o impacto que alguém transformador a
esse nível pode ter na evolução de um processo. Jurgen Klopp não mudou uma
equipe, mudou um clube e todo o contexto envolvente.
Marcelo Bielsa, no Leeds, é outro exemplo paradigmático: quem escolheu o
treinador argentino sabia que ele ia mexer com tudo e bem para lá do campo.
Os treinadores têm este poder, responsabilidade, mas poucos o conseguem.
Culpa deles, mas principalmente dos clubes que, por não saberem ou não
quererem, não os escolhem tendo tudo isto em conta.
Neste sentido, os próprios treinadores devem perceber que o perfil
de cada um é muito mais do que aquilo que se passa no campo, seja nos treinos
ou nos jogos. É tudo o que fazem e dizem, é como se comportam, como reagem ou
como lidam com as situações e as pessoas. O perfil é tudo isto. Sim, podem
preferir um estilo de jogo mais ofensivo ou mais defensivo, mas quantos não há
que têm essa mesma visão? Também podem dar treinos muito bons, mas, mais uma
vez, quantos mais há que também dão treinos muito bons? Será isso que os
tornará diferentes e fará deles a escolha certa?
Então, do que falamos, ou devíamos falar, quando falamos do perfil de um
treinador?
O primeiro passo é perceber que o treinador é mais do que alguém que simplesmente dá treinos e joga de determinada maneira.
Fonte. Blog: futebolapoiado.blogspot.com