Publicado em: 00/00/0000
Sim, são os jogadores que jogam, mas como eles jogam, o que
fazem, como se comportam, como reagem ou como decidem vai muito para além
deles, já não depende só deles. Dizer que os jogos de futebol são onze contra
onze deixou de fazer sentido, de ser verdade quase; são confrontos entre
estruturas, organizações, formas de trabalhar e equipas muito mais alargadas
para além dos jogadores. O jogo começa antes de acontecer e é resultado disso. No
início dos tempos, jogar futebol resumia-se a juntar pessoas, entregar-lhes uma
bola e pronto. Não eram necessários treinadores, os treinos eram do mais básico
que se possa imaginar. O jogo aí sim, era dos jogadores. Depois, a figura do
treinador ganhou importância, o treino, a tática e a estratégia passaram a ter
influência no resultado; mais tarde, as equipas técnicas expandiram-se, em
número e em conhecimento, as estruturas diretivas profissionalizaram-se, as
inovações apareceram e os resultados tornaram-se ainda menos previsíveis; hoje,
pormenores como o sono, a alimentação, as cargas de treino, a capacidade
física, o aspecto mental, as características pessoais ou os dados estatísticos
são levados muito a sério. São trabalhados e otimizados ao máximo. Porque são
diferenciadores e podem ser o detalhe que separa uma vitória de uma derrota.
Ganhar ou perder tornou-se muito mais complexo, já não se explica apenas com a
qualidade dos jogadores. Os jogadores continuam a fazer a diferença,
nomeadamente quando a discrepância de qualidade é grande, embora, mesmo aí, já
seja possível reduzir as distâncias com o que se faz fora do campo e que ajuda,
ou não, os jogadores. Mas quando a qualidade é aproximada ou equiparável,
normalmente são os pormenores que decidem o vencedor e esses pormenores estão
cada vez menos nos jogadores e cada vez mais na qualidade dos treinadores e dos
restantes profissionais integrados no dia-a-dia da equipe. O futebol de hoje
tem psicólogos, especialistas em nutrição, em recuperação física ou em
prevenção de lesões. O futebol de hoje é tanto físico e técnico, como tático,
estratégico ou mental; envolve cientistas, tem treinadores de lançamentos
laterais ou que ensinam como cabecear melhor, até gente que nem percebe o jogo
porque não precisa para, mesmo assim, ser uma mais-valia. O que um jogador
dorme e como dorme pode ser controlado. O profissionalismo, às vezes, é quase
doentio. As análises são detalhadas até à exaustão. Por alguma razão é. Há
cada vez mais áreas de intervenção vistas como capazes de otimizar o rendimento
dos jogadores e eles jogam melhor ou pior dependendo da qualidade dos serviços
e dos profissionais que têm à disposição. O jogo já foi só dos jogadores,
mas já não é mais e, acredito, será cada vez menos. Porque é por aí que as
equipas se podem destacar da concorrência. Entendo, por isso, que os clubes
devem tentar fazer o máximo que podem, dentro do possível, para ajudarem os
jogadores – isso deve ser uma prioridade para quem dirige, lidera e conduz
projetos. É perfeitamente possível fazer com que jogadores normais pareçam bons
e que jogadores bons pareçam muito bons. Quem trabalha com os jogadores pode,
realmente, fazer a diferença e investir nessas pessoas faz todo o sentido, até
porque requer menos esforço do que tentar encontrar o jogador ideal.
Tudo
se treina e tudo é passível de ser desenvolvido e melhor aproveitado. E, pelo
contrário, também tudo é passível de ser mal treinado e consequentemente mal
aproveitado. Os jogadores bons podem jogar mal e os jogadores maus podem jogar
bem. E não é por causa ou por culpa deles, mas devido ao contexto em que estão
e ao que os rodeia.
Claro,
é melhor ter os bons jogadores ou os melhores jogadores, mas nunca como agora
esse fator foi tão pouco significativo. Vale de pouco ter os bons se depois não
existir um contexto favorável, pessoas competentes a trabalhar com eles e
outras ferramentas que os potencializem.
É possível aproximar distâncias e reduzir diferenças graças ao que se faz fora do campo, e os detalhes que desequilibram estarão cada vez mais aí. O jogo já não é só dos jogadores. Nem deve ser.