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Como se mede a confiança? Ou a capacidade de reação ao erro e à adversidade?

Como se sabe se o estado de espírito é o ideal para abordar determinada situação ou se a cabeça está no lugar, livre de fantasmas e pronta para potenciar as qualidades físicas? Como se quantifica a capacidade para lidar com a pressão? Como se sabe se alguém está capacitado para responder a contextos novos para os quais não estava avisado nem preparado? Não se sabe. A saúde mental (ainda) não se mede. O que é um detalhe relevante quando estamos num mundo, onde o futebol se inclui profundamente, cada vez mais virado para os números, para os dados estatísticos e registros quantificáveis – e bem, porque eles realmente ajudam. Não deixa de ser curioso, contudo, que esse paradigma exija resposta a outros níveis sob pena de não cumprir o potencial que tem para fazer a diferença.

O esporte em geral e o futebol em particular emergem como atividades onde a “big data” tem ganho força e crescido de uma maneira quase desmedida. A evolução chega a ser assustadora ao ponto de não se saber onde estão os limites. Hoje, os dados estatísticos são utilizados para tudo e mais alguma coisa, são decisivos na preparação dos jogos, fazem a diferença na contratação do jogador X em vez do jogador Y, servem para fornecer o máximo de informação possível aos futebolistas, determinam as estratégias dos treinadores. E, no entanto, todo esse potencial corre o risco de não fazer tanta diferença como pode se tamanha inclinação significar negligenciar outros aspectos relevantes para que equipes, organizações, jogadores e indivíduos sejam beneficiados por aquilo que os números dizem e, acima de tudo, transmitem.

Sim, temos a informação, o que antes já era uma grande coisa, mas agora também existe a convicção, certeira, de que é preciso resumi-la, priorizá-la e enquadrá-la. No entanto, isso também não me parece suficiente para tirar o melhor partido de todos os dados à disposição. Tal, por si só, não garante que esses registros sejam aproveitados ao máximo. É que mesmo com tudo isso, é possível, e até provável, que ela (a informação) valha pouco se não for acompanhada por alguém emocionalmente preparado para a aproveitar. Depois de recolhida e analisada, a informação estatística é usada por pessoas, logo fica à mercê de toda a complexidade dos humanos. São eles que tornam as estatísticas numa mais-valia ou, pelo contrário, fazem delas algo condenado à irrelevância. Nunca como agora os futebolistas tiveram acesso a tanta informação, o que também os obriga a ter um considerável arcaboiço mental para assimilarem o que lhes transmitem e fazerem o melhor uso disso.

As estatísticas esmorecem de importância se quem as utilizar não estiver ao melhor nível emocional, se não estiver mentalmente capaz, se não for preparado para lidar com a adversidade, se não tiver capacidade de resposta para situações novas e inesperadas. Um jogador triste é pior do que um jogador contente. Um jogador pressionado joga pior do que um jogador tranquilo. Um jogador sem confiança não garante o mesmo rendimento do que um futebolista confiante. Para uns e para outros, as estatísticas vão ter valor diferente porque serão melhor ou pior aproveitadas mediante o estado de espírito. É obrigatório cuidar e trabalhar a vertente emocional. Com os números a universalizarem-se, a assumirem um destaque cada vez maior, é ainda mais essencial estar ciente de que essa realidade tem que ser integrada num contexto em que o aspecto emocional (individual e coletivo) seja visto com tanta ou mais atenção do que os números. Se todos fazem o mesmo, analisam registros parecidos e têm acesso a números que pouco se diferenciam, fazer a diferença a partir daí fica mais difícil. Zelar pela qualidade da saúde mental e dar relevância à preparação emocional é fundamental.

Hoje mede-se praticamente tudo e a tendência indica que vão medir-se cada vez mais coisas, mas ainda não há como resumir em percentagens e em números o aspecto emocional. Daí ser tão transcendente estar atento a isso porque, apesar de abstratos, são pormenores decisivos na alta-competição, sem os quais é impossível tirar o máximo das capacidades de cada membro das equipes. As estatísticas são importantes e podem ser decisivas, mas apenas se não forem assumidas como o princípio, o meio e o fim. Ficar-se por aí é diminuir consideravelmente a capacidade que elas têm para serem fatores de desequilíbrio.

Há uns tempos, perguntei a um treinador: Num jogo entre uma equipe bem mentalmente e não tão bem preparada a nível técnico, tático e estratégico contra outra equipe bem preparada técnica, tática e estrategicamente, mas em baixo emocionalmente, quem tem mais condições para ganhar? E ele respondeu que era a primeira. Não sei se é assim tão evidente, mas, pelo menos, dá o que pensar.

IDÉIAS-CHAVE

  • A saúde mental ainda não se mede e por isso merece tanta atenção.
  • Se todos fazem o mesmo, analisam registros parecidos e têm acesso a números que pouco se diferenciam, fazer a diferença a partir daí fica mais difícil.
  • As estatísticas são importantes, mas há que ter em conta que isso é usado por pessoas, logo fica à mercê de toda a complexidade dos humanos.
  • Nunca como agora os futebolistas tiveram acesso a tanta informação, o que também os obriga a ter um considerável arcaboiço mental para assimilarem o que lhes transmitem e fazerem o melhor uso disso.
  • Um jogador sem confiança não garante o mesmo rendimento do que um futebolista confiante. Para um e para outro, as estatísticas vão ter valor diferente.
  • Por Vasco Samouco.
O emocional no jogo estatístico